Beá Tibiriçá, do Coletivo Digital, fala sobre a autonomia tecnológica para o projeto ID21. O Coletivo Digital é uma organização não-governamental atuante nas áreas de software livre, cultura e inclusão digital que contribui para o aprofundamento da democracia - ampliando a participação popular com a acesso às tecnologias de informação e comunicação.
Eu sou Bea do coletivo digital
O coletivo digital surgiu em torno de 2004, depois da experiência junto a prefeitura de São Paulo de montar o plano de inclusão de digital que colocava telecentros, espaços de acesso público à internet na periferia da cidade. Montamos o coletivo digital para dar suporte à projetos de inclusão digital e seguir com a experiência de desenvolvimento e divulgação de software livre, de uso não proprietário e sim compartilhado por todo o Brasil, e com a experiência de trabalhar com comunidade e com projetos que usassem essas duas experiências que a gente tinha, de montar locais onde as pessoas pudessem acessar a internet de forma gratuita e pudessem usar aplicativos de software livre e customizá los para uso daquelas comunidades.
Seguimos trabalhando com isso, sendo desenvolvido na nossa ONG a partir de 2005. A partir do momento em que houve a expansão do uso do smartphone e da inclusão nos planos dos serviços de telefonia o custo do uso de sistemas de comunicação e redes sociais de forma embutida no que já era cobrado e vários estabelecimentos comerciais liberaram o acesso a internet ao cliente, criou se a falsa sensação de que a questão da inclusão digital estava resolvida. O celular e o mercado de uma certa forma criaram essa sensação na população, e principalmente junto as esferas do governo. Esse (a inclusão digital) já não era mais um problema e portanto não mereciam a prioridade e os gastos que vinham sendo defendidos e que deviam ser feitos para os projetos inclusão digital. A suposta superação da inclusão digital ganhou uma força e viveu se com essa sensação de que esse problema estava resolvido.
As pessoas já não gostavam mais de serem identificadas como excluídos digitais. Afinal de contas de uma certa forma elas tinham razão porque elas tinham seus smartphones, usavam seus aplicativos, tinham seus perfis nas redes sociais, assistiam filmes pelos serviços de streaming, tinham email e trocavam mensagens de vídeo, texto e voz. Talvez não fosse a inclusão digital que nós do Coletivo Digital e outros projetos preconizavam, mas enfim era uma forma de inclusão de digital.
No entanto é bom ressaltar que essas pessoas incluídas digitalmente dessa forma eram consumidores apenas de tecnologias de serviços e informações que as eram repassadas. Muitos só conseguiam acessar a internet e os serviços que estavam disponíveis na rede que lhes eram permitidos acessar. Há muita gente que acredita que a internet está resumida àquilo, redes sociais que estão disponíveis àquilo que elas conhecem através do uso do que os serviços de celular permitem.
Em 2020 Essa pandemia que tem causado tanta estranheza e tanta tragédia para todos nós escancarou para a sociedade novamente a exclusão digital na sua face mais antiga: a dificuldade de acesso e a falta de domínio sobre as novas tecnologias. Para quem achava que dominava as tecnologias voltamos a perceber que o que se fazia e consumia de tecnologia era a lógica do curtir e compartilhar aquilo que nos foi exposto pelas redes sociais. Então no Coletivo Digital passamos a trabalhar com o conceito de cultura digital, que é aquele que investe na construção de uma autonomia tecnológica do cidadão. Nós queremos pessoas que tenham cidadania digital. Além de ter direito ao acesso as pessoas tem que ter e saber a lógica que está por trás de cada um dos aplicativos que elas estão utilizando. Saber que elas não precisam só acessar curtir o post e replicar aquilo que elas recebem elas precisam saber se comportar diante das fakenews e saber produzir os seus conteúdos e colocar suas opiniões e usar a internet para acompanhar e cobrar os seus direitos através do mundo que a internet coloca à sua frente. Se mobilizar, fazer os seus projetos e maximizar as possibilidades que as pessoas tem de construírem alternativas para seu mundo. Para criarem modelos próprios de arranjos produtivos. Enfim, para colocar a tecnologia a seu serviço, customizada para o uso que elas pretendem dar. Achamos que trabalhar com cultura digital é uma forma de contribuir para a formação de pessoas autônomas e capazes de não só desfrutar dos bens culturais que estão disponíveis na internet mas de produzir, transformar e criar novas peças nesse imenso quebra cabeça aumentando não só seu repertório mas o de toda a rede.
Dessa forma pode ser muito mais prazeroso do que ouvir as músicas dos seus artistas preferidos, assistir um lançamento de um cinema numa plataforma de streaming, você também vai criar e compartilhar os seu próprios conteúdos e criar suas próprias narrativas.
Eu acho que a pandemia abriu essa oportunidade no momento em que ela coloca a nu as dificuldades que nós estamos tendo para enfrentar esse novo mundo que está se abrindo. Qualquer um sabe das dificuldade que hoje os estudantes estão vivendo para poderem seguir com seus estudos e poderem acompanhar o conhecimento que está sendo colocado à sua disposição porque não tem acesso a internet ou porque não conseguem caminhar no mesmo ritmo que deveriam caminhar. Por isso temos que criar nossas alternativas, temos que exigir que essas tecnologias sirvam para nos colocar a par e passo com essas tecnologias que nos estão a disposição. Nós não podemos lamentar e nem nos recolher. Temos que ir atrás das possibilidades que essas tecnologias podem nos colocar. Ir ao alcance das nossas mãos, agarrar essas oportunidades e fazer delas as nossas oportunidades.
Não podemos nos humilhar, nós devemos nos orgulhar de poder nos apropriar do que é nossa força, da nossa resistência, da nossa possibilidade de caminhar mais longe.
Muito obrigada pela oportunidade. SIgamos nessa luta e vamos fazer desse mundo um mundo novo para muito mais gente e muito mais possibilidades de conquista.