Mãe Beth de Oxum responde às questões elaboradas pelo projeto ID21. Mãe Beth é ialorixá do terreiro Ilê Axé Oxum e coordenadora do Ponto de Cultura Coco de Umbigada e do LABCoco - laboratório de tecnologia e inovação cidadã -, em Olinda, Pernambuco. A Coco de Umbigada é uma organização comunitária, que mantém atividades artísticas, culturais e educacionais oferecidas para a comunidade como forma de resgate de práticas, valores e da auto-estima por meio do protagonismo cultural.
Olá, eu sou a mãe Beth de Oxum
Sou coordenadora do Ponto de Cultura Coco de Umbigada onde a gente tem um laboratório (LAB COCO) onde eu coordeno aqui com as demais companheiras e companheiros. Quero agradecer ao ID21, a Anna e ao Felipe por esse convite. Gratidão imensa por a gente poder contribuir nesse projeto.
Eu to aqui passando para responder as perguntas que vocês me enviaram
Quais são as questões contemporâneas ligadas a inclusão de tecnologia nas comunidades onde você atua e o que ainda não foi resolvido?
As questões são diversas. A gente está situado em Olinda, Pernambuco, na periferia do sítio histórico de Olinda. Olinda é uma cidade patrimônio cultural da humanidade, mas Olinda não está incluída ainda como cidade inteligente, sensitiva. Temos esse desafio de termos cidades com inclusão digital. Por exemplo, em Olinda a gente não tem um ponto na cidade inteira com wifi pública e gratuita para as pessoas. Isso é uma demanda da ordem do dia, a cidade não ter um ponto de wifi pras pessoas. Essa demanda é uma demanda contemporânea antiga.
A gente está aqui há mais de 10 anos . Estamos aqui há 12 anos desenvolvendo o game, Contos de Ifá, estamos com as Universidades Federal, a Católica, a IESO trocando metodologias. E essa antena parece que não nos enxerga. Esses laboratórios estão muito no centro da cidade e não conseguem migrar para ver que esses arranjos produtivos, esses locais, essas escolas criativas de bairros estão produzindo tecnologias. Então falta é isso a governança de dados a inclusão digital, a participação e qualificação pro mercado de trabalho, faltam muitas coisas.
Quais são as demandas atuais e que não eram observadas la no início do século 21?
Primeiro a gente tinha a necessidade da internet, literalmente a rede. A gente tinha uma necessidade de máquinas, a gente precisava ter o equipamento, não tinha computadores, ninguém tinha acesso aos computadores. Lembro que foi uma luta quando a gente recebeu o primeiro kit multimídia lá do Ministério das Comunicações através do programa ponto de culturas, programa que transversalizava a cultura, educação e cidadania. Cultura Viva o programa. Então quando chegou a gente já foi fazendo a inclusão digital na nossa comunidade. A gente só tinha o terminal e mais duas máquinas, então era uma dificuldade a gente ter acesso às máquinas. Depois a gente conseguiu através do CEPRO trazer máquinas para abrir Telecentros, na época era um Telecentro. Então na época a demanda era muito grande pelo uso das tecnologias e o acesso às máquinas. Agora é o uso inteligente. Antes era a máquina agora é o uso.
Outro desafio é a diversidade, a participação das mulheres, a gente sabe que as mulheres são excluídas da tecnologia e a gente precisa fazer essa inclusão. É uma demanda que a gente consegue entender uma necessidade que hoje é eminente e importantíssima a participação das mulheres nessa formação em tecnologia.
O termo inclusão digital reflete ainda a proposta do trabalho na sua comunidade?
Eu acredito que sim. o termo inclusão digital reflete o uso crítico dos meios, o acesso às práticas, aos meios tecnológicos, ao emprego digno e a educação pública de qualidade.
Em qual direção deveriam ir os projetos de inclusão digital tendo em vista a identificação das necessidades dos indivíduos e coletivos com que você atua?
eu acho que a direção dos projetos de inclusão digital é a periferia. Eu acho que a gente está em Pernambuco com uma referência de Universidade no Brasil que é a universidade Federal de Pernambuco, mas isso não se reflete nas comunidades. A gente por exemplo está a 10 km do Recife antigo e lá o coração do Recife antigo hoje é o coração da tecnologia. A gente tem o Porto Digital, o Porto Mídia, o Cesar School, várias empresas de tecnologia, mais de 900 empresas incubadas e no entanto a comunidade do Pilar que é a comunidade do entorno imediato desse coração tecnológico do Recife antigo tem o pior IDH social da região metropolitana do Recife. Ou seja, essa equação não bate. As comunidades muitas vezes não sentem de fato essa mudança e eu acho que essas antenas precisam ser projetadas para as periferias para poderem captar o que esses arranjos produtivos das periferias estão fazendo. Eu acho que a gente precisa sacar esse pensamento crítico que esses arranjos estão produzindo.
Quero concluir dizendo que quando a tecnologia encontra a cultura, encontra esse lugar da diversidade sabe, onde estão as mulheres, onde estão a adversidade, quando a tecnologia encontra a cultura e a formação diferenciada as pessoas estão bem mais preparadas para o mercado de trabalho. Para finalizar, a gente gostaria de enviar um recado. A gente esta aqui com o LAB Coco, laboratório de tecnologia inovação cidadã trabalhando com os alunos e alunas, negros e negras, estudantes de escola pública. A gente atendeu 150 alunos da região metropolitana do Recife e desenvolvendo game roteirizado com a mitologia afro-brasileira e na realidade são métodos com base nas tecnologias abertas e a gente cria uma perspectiva de combate ao racismo e de apropriação das tecnologias. Ou seja esses alunos que tem uma escola que realmente não atende essa demanda, não tem um laboratório a gente aqui consegue trazer esses alunos no nosso ponto de cultura, para o nosso terreiro e nessa perspectiva de que minimiza preconceito, minimiza a intolerância religiosa de matriz africana e tem o acesso às tecnologias abertas e as tecnologias da produção desse game e um uso inteligente da tecnologia das redes sociais.
Axé.